quinta-feira, 28 de junho de 2007

Cacos

Deixei cair uma bolha de vidro que
se partiu em muitos pedacinhos.
São tantos e tão transparentes que não os enxergo
E já não ouço o quebrar, porque não foi agora.
Se eu pisar descalça, nem mesmo me machucarão,
Doem é por dentro.

Mas nem que procures todos e tentes colar, conseguirás.
Devias é saber disso quando me deste de presente a tal bolha.

Laisser passer

O tempo está passando e sou eu quem quer desperdiçá-lo.
Abro bem os olhos, deixo os ouvidos atentos e calo-me.
Os intantes escorrem e vou desfrutando todos os (pequenos) prazeres...
Afinal, 'para que serve o tempo senão para perder'?

terça-feira, 26 de junho de 2007

Arrabal

O desejo que desperta é devastador
Música brutal, irresistível
Escuto-a com toda minha pele
E tudo em mim dança
Como un viento de arrabal

(Arrabal, Gotan Project)

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Ilusão

"Por que é que ver e ouvir seriam iludirmo-nos

Se ver e ouvir são ver e ouvir?"

Alberto Caeiro

domingo, 24 de junho de 2007

Oito Espelhos

Não sei quantas almas tenho.
Mas, a julgar pelo estranhamento, são muitas.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Confissão

Não há como fingir por muito tempo ser o que não somos.
As palavras são boomerangs.
Quanto mais longe as lançamos,
com mais certeza elas sabem o caminho de volta para nos delatar.

Silêncio

O silêncio diz tanto quanto as palavras.
Às vezes, diz até mais.
Diz não, grita.
Ensurdecedoramente.
Tão agudo e penetrante que cega, emudece,
seca a boca, insensibiliza a pele e o olfato.
Só não nos torna surdos.
Porque o que o silêncio mais quer... é ser ouvido.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Censura

Se a mentira também diz algo sobre quem mente,
por que dizem por aí que é feio mentir?

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Sinestesia Branca

Abro os olhos para escutar o quão macio é teu beijo.
Mas, de tão colorido, só consigo aspirar o branco.

sábado, 16 de junho de 2007

Ressurreição

Aos poucos você vai se descobrindo.
Vai percebendo as coisas de que gosta e o que dispensa.
Vai conhecendo os limites do seu próprio corpo e
vai se acostumando com o rosto que tantas vezes estranhou em frente ao espelho.
E descobre o que quer da vida e o que quer para o futuro.
Então faz planos e passa a vislumbrar uma velhice feliz.
Isso é a morte.

Corajosamente, rasga todo esse relatório inútil e
volta a se estranhar, a questionar o que gosta e o que não gosta,
volta a testar seus limites, afinal.
Então se dá conta de quão idiotas eram aqueles planos e aqueles rótulos e passa a desejar que o espelho lhe mostre de novo um estranho sem planos nem futuro.
Ressurreição.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Alerta

Se tiver a impressão de sentir aquela tontura alegre e aquele palpitar no peito,
e suspirar fechando os olhos numa languidez quente e macia,
cuidado! pode ser o vírus estúpido do amor romântico obstruindo todos os seus sentidos.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Fico tão satisfeita

que chego a querer mais.
E já não posso dizer-me satisfeita,
visto que insatisfeita me tornei.
Quanto mais satisfeita, pois,
mais insatisfeita.
Ai que alívio ter sido nesta ordem!
Porque se começasse pela insatisfação,
jamais satisfação eu teria.

Temperatura

A noite poderia ser mais fria
e os pés, não tão gelados.

Mas quente basta o corpo
e frias, as mãos.

E as mãos frias no corpo quente,
sob um céu tão pleno e estrelado,
fazem-me esquecer por completo
do calor que sobra à noite e falta aos pés.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Estupro

Se a manhã é de sol, não há como escapar.
Os raios me pegam pelos cabelos, invadem minhas narinas e se se enfiam garganta a dentro.
Massageiam meus pulmões e fervem meu sangue.
Percorrem meus músculos em alta velocidade e trituram meu cérebro, numa explosão de prazer.
Depois se vão, deixando-me violentada.

domingo, 10 de junho de 2007

Decifrar

"Se este decifrar é lento,
posso gastar uma vida toda nisso"
Marilá Dardot

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Fotografia

Você abre a porta e de repente dá de cara com um dia ensolarado.
O céu claro, sem nuvens, e aquele ar que talvez pudesse ser tocado, mas eu não estiquei as mãos.
Um silêncio constrangedor e, estranhamente, tudo imóvel.
Nenhum piar, nenhum sussurro, nem um suspiro, nem folhas chiando com o vento.
Poderia ser a morte?
Não, era a vida. Mas uma vida congelada.
Naquele instante, o tato não sentiu, embora eu tivesse a certeza de que era só esticar as mãos para tocar a cena. Não houve onda que sensibilizasse o ouvido. A boca e o olfato, ainda menos apurados, naquele instante, não existiam.
Só a visão funcionou.
E viu o que não pode ser visto: um mundo congelado numa fotografia roubada, num instante que parou no tempo.
Talvez fosse só a visão querendo enganar os outros sentidos...

terça-feira, 5 de junho de 2007

Morte

Saberei o tempo de desistir.
O perfume acre dos instantes
(que se vão, mas não deixam meu olfato)
vai anunciando a visão do silêncio.
E poderei ouvi-lo e tocá-lo também,
Porque toda a memória é visão, mas também é som, é tato e fede.

domingo, 3 de junho de 2007

inverno

o frio seduz minhas pernas e quadris e costa.
meus ombros não.
são eles que seduzem o frio
e o fazem entrar acariciando o pescoço cego, que não fareja suas intenções.
e o calor mudo das bochechas, tochas desnudas,
suspira, extasiado:

é o inverno chegando.

sábado, 2 de junho de 2007

Eis

As idéias revoltas, todas cruas e quentes e ensurdecedoras, não cabem mais neste espaço.
O vazio é pouco para elas.
É hora de extravasar.
Eis.